segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Freando com as havaianas

Freando com as havaianas

JOLIVALDO FREITAS, jornalista, escritor-texto recortado da Tribuna da Bahia , de 12.11.2007.




O que tem de bicicletista nesta Bahia, talvez só perca para Barcelona, que instituiu o veículo como grande alternativa ao trânsito de automóveis, e basta chegar na frente de uma parada de ônibus, pagar 1 euro por meia hora, sair pedalando e deixar a bicicleta no local de destino. A mesma coisa fez agora a cidade de Paris, e foi o que salvou a população que teve de enfrentar uma greve de motoristas e metroviários.
Pois, fui contar, semana passada algumas histórias dos bicicleteiros baianos e choveu um monte. Valcir Barreto mandou email dizendo que acertei quando chamei de bicicleteiro, pois no meio dos pedaleiros é o termo que mais gostam de usar, por ciclista parecer mais com corrida. “Fazemos muito mais do que pedalar. Fazemos quase tudo, inclusive dar uma volta com a irmã do Carrapeta”. Vocês lembram que Marcos Carrapeta vendeu a bicicleta e a irmã foi de brinde, né?
Então Gilson Cunha, lá de Santo Amaro lembrou de Claudete (não digo o sobrenome) que por uma volta de bicicleta dos meninos, retribuia com generosas horas de amor. Um monte de meninos acompanhava a moça generosa em suas bicicletadas pelos matos.
A história mais interessante vem de Jerry Conceição. Ele lembrou que eu estava aprendendo a andar de bicicleta, no Alto do Bonfim, quando tirou a mão do selim, onde garantiu que não iria cair, perdi a direção e desci a ladeira - aquela mesma ladeira que os devotos de oxalá sobem de joelhos - enquanto ele gritava aperte o freio. De boa memória, revê, eu sem saber onde ficava o freio, e numa última tentativa de não amassar com a testa os ônibus da Viazul, que passavam no cruzamento, metendo minhas havaianas no asfalto. Uma sandália veio parar na canela. A outra quase derrete com a fricção. Não parei, entrei de peito na Farmácia Nossa Senhora da Guia e ainda ouvi piada dele: “Pelo menos já caiu no mertiolate”. E outra piada de mais um amigo: “estas havaianas são boas mesmo, Não é propaganda, não”. E eu lá com os olhos arregalados, todo arranhado e o coração aos pulos. Nunca mais montei bicicleta.
Pior fez Angelo Aleluia, que se chamava Angelo - sem acento - porque a mãe olhou para os seus olhinhos azuis e cabelos encaracolados, loirinhos, pois o miserável já nasceu cabeludo e dizem que até pentelhudo e vaticinou que seria um anjo de pessoa. O sobrenome, na verdade era apelido, pois o cara era um diabo, mas na frente de mãe parecia um querubim, falando baixo sim senhora, bênça mãe, beijo vó. E com os vizinhos que o odiavam e nada adiantava contar suas estrepulias para a mãe que ela não acreditava “meu Angelozinho? Nunca que ele faria isso, né meu amorzinho” e ele balançava humildemente a cabeça, sem tirar os olhos do chão “é mesmo mãe!”. Pois, com a vizinhança, na presença da velha era um tal de bom dia, como vai a família, boa noite. Na Igreja Batista respondia tudo com um aleluia.
O disgramado roubou a bicicleta de Sansão enquanto este parava na banca de revista para comprar figurinhas da Copa do Mundo, e se mandou. Foi para a Feira do Rolo, lá no Curtume, e trocou a bicicleta por dois canários belgas, bons de briga. Voltando para casa encontrou o dono da bicicleta, um cara forte como o nome deixou deduzir, que disse ou a bicicleta ou a morte. Angelo Aleluia voltou para a Feira do Rolo e não conseguiu desfazer o negócio, mas quando o outro vacilou pegou a bicicleta e saiu pedalando feito louco. Na fuga não viu que estava indo em direção à linha do trem, justamente quando este passava. Só ouviu o apito. Apertou o freio e nada. No desespero meteu o pé nos raios da roda e freou com a cabeça do dedão. Perdeu o dedo, mas escapou das rodas do trem. Só não escapou das porradas que levou de Sansão e do cara que tinha feito negócio. Foi cacete para mais de um hora. Um: por favor é sua vez... O outro: obrigado amigo... sua vez agora.. E o pau comendo no lombo de Angelo Aleluia.


Jolivaldo Freitas é escritor e jornalista. e-mail: jfk6@uol.com.br

recortado da tribuna da bahia e publicado no bikebook.blogspot.com