PSICOLOGIA CASEIRA.
Dependência do “ outro”para quase tudo.
Valci Barreto.
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Todo mundo gosta de dar alguns conselhos. Alguns mais , outros menos. Todos nós temos uma certa vocação para “guru”. Quando lemos um livro, vamos a uma vaquejada, restaurante, somos sempre tentados a “orientar” nossos amigos a fazer o mesmo.
Sou assim com as coisas que gosto. Sou até mais de “informar” do que de converter. Como sou apaixonado por esportes, leitura, musica, no primeiro caso pelas bicicletas, e sei que há muitas pessoas querendo entrar na “tribo”, considerando que hoje a magrela é uma das grandes vedetes do século, não me canso de dizer: é fácil, é simples. Ninguém precisou dizer a mim como fazer, como andar nas ruas, como se livrar das maldades dos nossos motoristas, como, enfim, andar por aí com o mínimo de risco.
Preciso de conselhos e orientações, porém, para descobrir o prazer do futebol, da peteca, do vôlei, do tênis, do ping pong, do sinuca, bilhar, frescobol, não precisei de um sequer. Apenas olhei como era e me joguei. De todos eles, o único que tomei aula formal foi o tênis.
Pratiquei todos com uma certa desenvoltura, sem nenhuma pretensão de ser atleta , competidor. Descobri que, mesmo não tendo talento para jogar na Seleção Brasileira, o prazer do baba me deixava feliz. E até hoje tenho saudades das minhas peladas.
Venci, assim, as dificuldades, apenas olhando, praticando e, obvio, recebendo conselhos, já depois de “lá dentro”, para tentar melhorar. Não no sentido de “ser o bom, o melhor”, mas de satisfazer ao meu desejo. No caso da bicicleta, de fazer passeios, olhar as ruas, parar em pontos que com carros não é possível.
Nunca tive receio de entrar em qualquer restaurante, mesmo naqueles em que costumeiramente se vai acompanhado , sentar sozinho e degustar o prato da casa, observar as pessoas, ouvir a musica, as conversas, as roupas, os andares , molejos, “tics” , das pessoas, observando tudo como se fosse , e é, uma sala de espetáculos, um cinema. Muitas vezes melhor do que anunciados filmes.
Na adolescência, gostando do baba e do cinema, dava-me cinco minutos para decidir ao qual eu iria. Tudo isto é bom fazer em boas companhias. E sempre procurei fazer. Mas não me mantinha em dependência, na base do “eu quero ir, mas sozinho eu não vou”. Comigo, funciona assim: eu quero ir. Se você for comigo, melhor, se não for, vou avaliar se posso ir só. Como normalmente posso, irei.
Vivo bem assim.
Inspirou-me este texto a movimentação dos novos bicicleteiros da Bahia, embora o exemplo pode ser extendido para qualquer outra “tribo”, como as do pagode, carro de som, vaquejada, carnaval.
Percebo na mobilização dos bicicleteiros, através das redes sociais assim se expressando, na sua ânsia de pedalar: “ quero pedalar, mas não tenho com quem. Quero ir comer um acarajé, em bicicleta, mas só vou se algum puder ir comigo.”
Óbvio que, algumas destas afirmações são feitas por questões de segurança. Nos tempos de hoje, temos que admitir que os cuidados são necessários, que as companhias, em muitos casos, são até indispensáveis.
Mas há situações que a gente percebe que é mais por “dependência”. Tipo, sozinho eu não posso ir,sozinho não sei fazer, apesar de todo o desejo. Esta “dependência” , ao meu ver, pode ser vencida se o desejo de pedalar for maior.
Temos um histórico de indisciplina em nossa cultura: pessoas há que marcam, desmarcam, marcam de novo e não cumprem; atrasam nos compromissos, deixando os outros reféns da dúvida se a pessoa vai ou não comparecer, cumprir o prometido.
Para mim, confesso, não me traumatizo: marco um pedal, se ninguém aparece no horário, sigo em frente. Sempre vou achar pedalar melhor do que esperar. Há exceções, sim. Mas são exceções que não tenho qualquer interesse em transformá-las em regra.
Estas duvidas, incertezas, ausências ou duvidas se vai ou não a outra pessoa cumprir o que assumiu, foi o que me fez, além da paixão em si, optar mais pela bicicleta do que, por exemplo , pelo tênis, que amo com paixão, apesar de praticamente tê-lo abandonando. E que, há muito, me afastou dos babas.
Nestes dois últimos, tinha uma sensação muito grande de perda de tempo: longo tempo para esperar alguém sair da quadra. Após uma partida, outra longa espera para voltar às quadras. Gente demais, em relação ao número de quadras. Em relação ao futebol, pior ainda: marcavam um baba 09, começava 11 , com vinte minutos de espera para outro começar. Aí, era uma manhã com bem mais espera do que jogo propriamente.
Em relação aos babas, pelo menos nos clubes, a indisciplina diminuiu, principalmente nos campos alugados; mas eu já estou de fora há muito tempo e não nutro mais os desejos de antes.
Não tenho intenção de aconselhar, no sentido de fazer prosélitos, induzir, impor comportamento, mas apenas dar dicas de que, muitas coisas podemos fazer sozinhos se as companhias não assumirem os compromissos desejados. E, em relação às bicicleta, até nisso ela é superior: com pessoas, companhias, é mais seguro, mais divertido, mas sozinho também se pode realizar grande, belos e contemplativos passeios pela nossa cidade.
E, saindo por aí, quem sabe não acontece como no carnaval :” oh! como foi bacana de encontrar do novo, dançando um samba junto com meu povo, você não sabe como acho bom”.
Quando não encontrar alguém que decida pedalar com você , naquele dia , hora, ou para aquele local desejado, vá só. Quem sabe lá não estará, exatamente a companhia que você procura há anos? Mesmo que ela não esteja pedalando?
Já dizia o poetinha:
“ A vida é a arte do encontro, companheiro, e não se engane não , tem uma só”. E de bike, você sempre vai encontrar alguém por aí, mesmo que esteja a pé. O que não falta é gente nas ruas, becos, bares, restaurantes. Se nenhuma lhe interessar, ainda que para um simples bate papo, a da magrela pode-lhe deixar em tal estado de graça que não sentirá nenhuma falta de quem lhe deu um “zig”, lamentàvelmente, uma pratica comum dos nossos descompromissados conterrâneos.
Se alguem lhe der um “calote de pedal”, pense que , pelo menos naquele momento, a magrela é a melhor companhia: nunca lhe deixará em falta, se você cuidar bem dela. Diferente de muitos amigos, até amantes que, muitas vezes nos abandonam por um simples “vem cá”, de alguém que nem pedala! Coisas da vida, mas com as quais não convivo. Nem quero. Vou sempre preferir minha magrelinha porque, quando quero pedalar, ela nunca me deixa só.