terça-feira, 4 de março de 2008

AOS MOTORISTAS, MOTOCICLISTAS, CICLISTAS E PEDESTRES.


Valci Barreto

Advogado, cicloativista,
Editor do bikebook.blogspot.com
Do MEU ZINE
Colaborador do muraldebugarin.com

Desenvolvemos ações voltadas para o uso da bicicleta nas ruas de Salvador. Entendemos que é uma falta de civilidade que alguém, para ir comprar um pão, remédio, tomar um sorvete, visitar um amigo, ir a uma praia, a pouca distância de casa, seja obrigado a fazê-lo de carro: quatro pneus, um monte de ferro, gasolina, contaminação ambiental, stress e, na maioria das vezes, conduzindo apenas uma pessoa. Se alguem parar para pensar, é coisa da pré-história, aliado a uma cultura em que o dono do carro vale por este e não pela pessoa que é; O valor da pessoa é dado pelo valor do carro que dirige.Refem desta condição, que a aceita, a pessoa vai sempre buscar o carro mais caro, nem sempre pela utilidade ou conforto que ele lhe proporciona, mas pelo valor e respeito que passa a merecer.O público ,também, rendendo-se à mesma cultura, vai, igualmente atribuir o respeito ao dono, de acordo com o preço do veículo que dirigie ou possui.Este comportamento , lamentavelmente, desce até as bicicletas.Há grupos de passeios que, se alguem aparecer com uma bicicleta menos cara, o pessoal lhe torce o pescoço e de tudo faz para voce não ingressar naquele grupo. Mas há muitos, e é maioria, felizmente, que assim não se comporta: aceitam qualquer tipo de bicicleta, desde que rode. E respeita as pessoa pelo que é ela é e não pelo bem que possui. Não se deve condenar ninguem por querer carros , casas, objetos caros, bons, bonitos. Nem bicicletas da mesma condição. Evidente que, para passeios mais corridos e mais longos, recomenda-se bicicletas mais apropriadas, o mesmo ocorrendo em relação a trilhas mais exigentes. Como quase tudo é relativo , temos a rica e inédita viagem de um baiano, Rubens Pinheiro, que saiu de Salvador em 1927 e chegou em Nova York em 1929, pedalando uma bicicleta comum, sem marcha, semelhante à Caloi Barra Cicular dos nossos dias. A façanha está registrada em livro ditado pelo ciclista, com fotos e ilustrações da viagem.

Entre outros males causados pelo uso indiscriminado do carro, está o desperdício, o custo social desnecessário,inclusive com remessa de divisas para o exterior que a industria do automóvel impõe. E, pior que todos, as vítimas de acidentes. A cultura do veiculo automotor fechou os olhos das pessoas para prazeres simples, atividades e ações que podem ser ralizadas a pé ou de bicicleta, sem qualquer prejuizo ao tempo ou a outras atividades. Desenvolveu, também, um imensurável egoísmo por parte dos motoristas. Imprimiu-lhe a sensação de poder, de que todos devem correr, sair da sua frente para ele passar. Influi na arquitetura, onde prédios e ruas contemplam apenas os veículos. Constroem-se estradas federais, estaduais, municipais, onde são gastos milhões de reais, muitas vezes até bem aplicados, mas não destinam o mínimo do percentual, em dinheiro nem em espaço, para as bicicletas. A rua, por lei, é do carro, da moto e também da bicicleta. O mau motorista, no entanto, pensa que apenas para ele foi implantada. Desrespeita a todos, inclusive a outros motoristas que estão na sua frente: "colam" no fundo , assustam, buzinam, "tiram fino",dão sinal de luz a dizer: “sai da frente , que eu quero passar.." Ninguém é obrigado a correr porque o que vem atrás assim o deseja. Mal a sinaleira abre, já buzinam e dão sinal de luz. Nas escolas, a buzina é usada para chamar os filhos. E estes, dentro dos carros dos pais, aprendendo a mesma lição, a mesma forma deseducada agressiva, estressante,de dirigir, viver, buzinar.

Muita gente está querendo trocar o carro pela bicicleta para muitas atividades, até mesmo em respeito ao nosso planeta. Mas não têm coragem, especialmente por medo dos motoristas agressivos, apressados, egoístas, estressados que desrespeitam a todos, até mesmo a outros motoristas.

Um grupo significativo de pessoas está fazendo a sua parte, no sentido de fazer os motoristas entender que a rua pode e deve ser compartilhada; que o uso da buzina do carro, para que o ciclista saia da sua frente, além de ser uma agressividade, uma falta de respeito, é também contra a lei, vez que , por lei , a preferencia é da bicicleta.
Diz ainda a lei, que o veiculo, ao ultrapassar uma bicicleta trafegando, deve guardar uma distancia de um metro e meio de distancia. Claro que ninguem vai medir . Não há olho, dirigindo, capaz de tal precisão. Porém , há um mínimo dentro de uma olhada normal que permite ao motorista , pelo menos, afastar-se o suficiente para não assustar, agredir, por em perigo quem está trafegando de bicicleta na pista normal e dentro das regras de trânsito. Os motoristas, notadamente de ônibus, táxi, carros públicos, utilitários, micro ônibus, rarissimas vezes mantem uma distância que o afaste do susto ou do perigo.Ao coantrario, buzinam , encostam, ultrapassam em ziguezagues, sem o mínimo de respeito

Depois que reservaram a pista para ônibus e taxi, lamentavelmente, tornaram-se ainda mais agressivos, tanto os motoristas de ônibus como os táxi. É só dar uma olhada rápida como eles dirigem no Dique do Tororó e na Centenário, só para citar dois pequenos exemplos do centro da Capital Baiana. Andar de bike nestas duas pistas, é quase um pedido para ser atropelado pelos ônibus. Mas não agredem apenas motos e bicicletas. A violência é também com os carros que obedecem o limite de 60 km visivel na pista e nas placas. Nem este limite querem respeitar.

Alguns motoristas, especialmente os que já andam de bicicleta, tem emlhorado o seu comportamento ao dirigir.

Outros , a grande maioria, não; especialmente os de ônibus, táxi, carros utilitários e jovens apressados que tentam, com pressas , buzinas e ziguezagues na pista, superar , correndo, a sua desorganização de horário, seu acordar tarde, pondo em perigo vidas alheias e a sua própria. Para um bom número de motoristas a rua é só deles e todos têm que correr no seu mesmo ritimo, têm que sair da sua frente, se jogar nos passeios para não ser atropelado.

Junto aos ciclistas, não são poucos também os mal educados, desrespeitadores das leis de trânsito, do pedestre e até mesmo de outros ciclistas.

O número crescente de mortes , de violência, de todos os males que nos acometem nos tempos modernos, têm tornado a vida mais difícil, bruta, arriscada. Dentro do nosso egoísmo, só nos apercebemos disso quando a vítima é irmão , filho, pai , mãe. E muitas das mortes, aleijões, perdas de pernas, braços, mutiliações, advém da falta de cuidado, de respeito, de educação no trânsito. Só tentamos fazer algo quando a vítima é um dos nossos.

Mesmo em uma pista estreita, nada justifica que o ciclista, andando em sua preferencial, cumprindo as normas de trânsito, tenha que sair correndo, apressado, tenha que se jogar no passeio, se espremer , para atender a buzina do ônibus , táxi ou do apressado e mal educado motorista de qualquer outro veículo. É uma violência como outra qualquer e pode matar, mutilar, como têm acontecido.

Estamos encaminhando este texto, que é fruto de reflexão de muitos cicloativistas, que também dirigem carro, andam a pé, de moto e de bicicleta, na esperança de que alguém possa entender esta mensagem, que seria desnecessária se a brutalidade não estivesse nos cercando todos os dias em cada esquina, em cada rua, em cada passeio. O cuidado com o semelhante não deve se limitar aos de dentro de sua casa, à mãe, pai, irmão, esposa , namorada; todos os seres humanos merecem o mesmo respeito. As dores dos mutiliados são as mesmas. Os males sociais são equivalentes, mesmo que os insensíveis não percebam.

Aos ciclistas, da mesma forma, pedimos o respeito às normas de trânsito, os cuidados com os carros, pedestres e com os outros ciclistas. Há aqueles que pedem respeito por parte dos motoristas, mas não respeitam carros, pedestres, nem a outros ciclistas.Muitos usam buzinas que assustam, poluem, maltratam, incomodam pessoas que estão andando nas ruas ou mesmo descansando em seus lares.As buzinadas agressoras devem ser evitadas, especialmente nas manhãs, madrugadas, noites, frentes de hospitais e de casas de saúde, creches, abrigo de idosos,escolas. Há ciclistas usando buzinas mais apropriadas para caminhões do que para bicicletas. E acionam estas máquinas de fazer barulho em todo o seu trajeto, poluindo, agredindo , assustando.

Pedimos ainda aos usuários de transporte coletivo que não apressem os motoristas de ônibus, para compensar seus atrasos nas saídas de casa. Nosso trabalho também é destinado a este público. Quanto mais desenvolvermos a possibilidade de usar bicicletas como meio de transporte, menos necessidade teremos de usar o ônibus e carro, com vantagens para todos, especialmente para nossa saúde, economia e conservação do planeta.

Não somos contra o carro. Somos a favor da vida, da educação, do respeito ao próximo que deve existir em qualquer lugar: filas de elevadores, hospitais, abrigos de velhos, sobretudo no transito. Temos uma lastimável estatistica: O motorista brasileiro mata mais gente dos que soldados que estão em muitas guerras dos tempos atuais. O Iraque, no ano em que a guerra foi mais violenta, morreu menos gente no conflito do que morreu, no mesmo ano, no Brasil, vitima de acidente de veículo. É comum, para que um mototista atenda a uma regra mínima de respeito ao próximo, às normas de trânsito, tenha que, muitas vezes, ter contra si uma Polícia apontando-lhe uma metralhadora. Nesta circunstancia, o motorista mal educado passa a ser a mais humilde, a mais doce das criaturas. Jamais aquele motorista buzina , agride a um carro da polícia que está em sua frente. São simples, generosos, educados, respeitadores. No entanto, se em sua frente está uma bicicleta, uma moto, um pedestre, ou até um motorista que ele entenda mais fraco, mais humilde, usam o carro como arma para agredir, assustar, ameaçar com buzinas, sinais de luzes, "finos" agresssores, aceleração dos motores e siguezagues perigosos nas pistas. É uma pena que estas pessoas só entendam a linguagem da arma, da violencia, da Polícia que, com certeza, preferiria que as suas armas jamais tivessem que serem usadas para educar alguém no trânisto.

Em nossos passeios ciclísticos, vivemos experiencias como a que segue: um grupo de centenas de ciclistas nas ruas, com passeio autorizado pelo poder público, com apoio da Policia Militar e dos orgãos de trânsito. O motorista, vendo apenas o ciclista, vem buzinando, agredindo, querendo passar por cima de todos, querem "abriar a rua " de qualquer jeito. Como não têm coragem de atropelar a tantos ao mesmo tempo, param e ficam reclamando "saiam da frente, que estou apressado". Os ciclistas(há pessoas educadas e treinadas para dialogar com o motorista) chegam até o estressado, fazendo-lhe as ponderações de estilo, quando consegue. Alguns motoristas simulam , acelarando os motores, que vão passar por cima de alguem. Quando chega o policial que apoia o evento, o motorista é a mais humilde das pessoas;transforma-se, de imediato, na mais doce e humilde das criaturas; pedem desculpas, deixam toda a valentia embaixo do banco do carro . Ficamos curiosos como a pressa termina tão rápido...

Não queremos atrapalhar o transito. Em nossos passeios, buscamos educar também os ciclistas, no sentido de que deixem o transito fuir pela esquerda, utilizando, para o passeio, apenas a pista da direita. Temos obtido muitos avanças neste sentido. Muitos motoristas e ciclistas já entenderam a mensagem e buscam o respeito mútuo.

Porém , nos passeios comuns, onde não há policial, as agressões continuam. Mas não vamos desanimar. Toda luta tem seus heróis, vivos, mortos, quem ganha e quem perde . Buscamos um caminho em que todos os envolvidos sejam vencedores. Basta todos se respeitar e disciplinar suas vidas para que não vejam a rua como espaço apenas para seu veiculo, exercício de seu poder, pressa e falta de educação. Os filhos, pais, irmãos, parentes , estão também nas ruas, ainda que não naquela por onde ele, naquele momento , esteja agredindo alguém.

É uma pena que os agressores de toda ordem, não atendam aos clamores de paz, de respeito ao próximo. No entanto, ficam quetinhos, bem comportados, humildes, quando encontram em sua frente uma Polícia apontando-lhe uma arma. Preferem respeitar a multa, o soldado armado do que a vida de alguem.

Mas não vamos desanimar.

Para quem puder , e quiser, pedimos a propagação deste texto por e mail, impressão, xerox, fixação em murais do trabalho , bares, restaurantes, salão de beleza, hospitais, distribuição nos ônibus, táxis, kombis, escolas, faculdades, igrejas, divulgar onde possível for. Mas sem sujar as ruas.

Quem quiser, pode alterar, diminuir o tamanho da mensagem, desde que faça permanecer o conteúdo básico.

Não precisa citar autor nem fonte. Importante é a mensagem.
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Salvador é uma cidade plana para bicicleta. Pode-se pedalar de Stella Maris, até a Suburbana, passando pela Ribeira e Bonfim, sem subir uma ladeira sequer.

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publicado no muraldebugarin.com e
no
bikebook.blogspot.com

Apesar de todos os males, continaremos fazendo muitos e belos passeios ciclisticos. Todos são gratuitos. Todo mundo é convidado. Quem quiser participar, veja como, acessando nossos sites e blogs:

Muraldebugarin.com
Amigosdebike.com
Bikebook.blogspot.com
Sincronia
Pedaisnaestrada
Mundodabike
Aeart,
pedaladadanoite

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como estão as familias dos vitimados, como estão os que sobreviveram, de cenas como estas?

"Morre 8ª vítima de acidente na BR-101, em Campos-RJ

São Paulo - Uma das duas pessoas feridas na colisão entre dois veículos, na madrugada de hoje, na rodovia BR-101, em Campos, no Rio de Janeiro, morreu logo após dar entrada no pronto-socorro do Hospital Ferreira Machado. A informação é da assessoria do hospital. Outras sete pessoas morreram no local. Renato Farias Barbosa, de 27 anos, foi vítima do acidente envolvendo dois veículos de passeio, na altura de Guarus, em Campos. A outra pessoa ferida é Jessica Peçanha, de 17 anos. Ela sofreu uma fratura na perna esquerda e escoriações por todo o corpo. Segundo a assessoria do hospital, ela já foi operada e seu estado de saúde é regular.

Solange Spigliatti "

publicado uol noticias, de 13.03.32008

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Um comentário:

Unknown disse...

Valci, gostei muito do seu texto sobre motoristas e automóveis. É pura filosofia a análise comportamental do ser humano frente a esse objeto de consumo, de poder e de ostentação que é o automóvel. Parabéns e continue a escrever textos como esse.