segunda-feira, 2 de maio de 2011

LA CAMPANA, FAMILIA APRILE , FEIRA DE SANTANA

LA CAMPANA, FAMILIA APRILE , FEIRA DE SANTANA
Valci Barreto
advogado, cicloativista baiano.
editor do bikebook.com.br
muraldebugarin.com
colaborador Folha do Reconcavo.


Após a Segunda Guerra Mundial, 41 famílias de imigrantes italianos instalaram-se em Jaguaquara, levando para esta cidade do Vale do Jiquiriçá, na Bahia, a cultura de verduras , hortaliças, notadamente a do tomate que , em certa época , antes da concorrência dos fornecedores do sul do pais, Vale do São Francisco e do próprio recôncavo baiano, chegou a representar mais de setenta por cento do abastecimento de Salvador.

Entre os imigrantes estava a família Aprile. E nesta um garoto com 17 anos, hoje um senhor de mais de 70, Silvano Aprile, que trabalhou com agricultura; caminhão;mercancia; madeira e montou uma oficina no Entrocamento to de Jaguaquara, km 43 da Br 116, onde se tornou um reconhecido mecânico de automóvel.

Imaginando, criando, produzindo, lutando pela sobrevivência, executando os mais variados ofícios, mesmo com limitações de estudos, comuns aos imigrantes de então, o senhor Silvano veio a implantar, no mesmo Entrocamento, o primeiro restaurante de comida italiana da região, o Abruzzi, em 1960 . Daquela localidade e época tem início uma parte da história do Filé à Parmegiana como o conhecemos na Bahia.


Não se sabe a origem desta maravilhosa comida. Muitos, por conta do seu nome, associam-na a Parma , na Itália, tese contestada por historiadores que negam ter ele existido naquele pais, afirmando eles que seu nome é também relacionado a Milão, portando o nome de "bife à milanesa". igualmente  desconhecido naquela cidade.

Seja qual for a origem da deliciosa comida, muito tem para contar sobre ela o senhor Aprile, que mantém, juntamente com sua filha Ana, um restaurante de comida italiana em Feira de Santana, o LÁ CAMPANA.

Há uns dois anos, sem maiores comentários, sem qualquer pretensão, senão matar a fome, levou-me um amigo para almoçarmos naquela casa de pasto, quando passávamos por Feira em direção a Itaberaba. Pedimos o Filé à Parmegiana, que gravou em mim um sabor que desejei vê-lo repetido em minhas papilas gustativas em uma  outra oportunidade.

Hoje estive em Feira e um dos meus programas seria almoçar naquela casa. Logo ao entrar, recebeu-me o seu proprietário, senhor Aprile que, atendendo às minhas primeiras indagações sobre a origem da sua pessoa, perguntou-me se queria saber da italiana ou da brasileira> Pedi-lhe que me falasse das duas. Irradiando simpatia, percebeu a iluminação também em meu rosto estampado,  ao descobrir-me seu conterrâneo, na parte brasileira. A outra vinha de  Pescara, onde nasceu, cujo ponto me indica, orgulhosamente, em um mapa fixado como decoração em uma das paredes do La Campana.


O doce nome da minha terra, Jaguaquara, e da colônia italiana da minha infância, pronunciadas naquele momento, não deram mais descanso para o senhor Aprile. “obriguei-o" a contar um pouco da sua história, o que fez com todo gosto, enquanto o escutei ,fascinado, por quase duas horas.

Nascido em Pescara, de família muito pobre, talentoso para o comércio, saia pelo interior daquela região pesqueira italiana, entrando em fazendas, sítios , povoados, casas de pescadores, comprando , vendendo, trocando ovos, temperos, galinhas, carnes, mascateando, enfim ; e tudo fazendo em bicicleta. Minha cabeça voava para a Itália, passando nela um filme em que seu Aprile se agigantava como artista maior, pedalando uma bicicleta enferrujada; pneus gastos; sem marcha, daquelas que estamos acostumados a ver em filmes clássicos italianos, cheia de tralhas no bagageiro, quadro e guidom.

Já fascinado com os seus depoimentos, pedi-lhe que contasse a história das bicicletas em sua vida, entusiasmando-o quando lhe falei dos meus passeios pelas ruas de Salvador, transportado neste fascinante condutor de pessoas e de emoções.

Fazendo eu pequenas anotações da sua fala, perguntou-me gentilmente o motivo delas e se eu era escritor. Respondi-lhe que não;  que visavam elas informar aos amigos ciclistas da existência , história e endereço do seu restaurante . Após calculada pausa para ouvir meu gosto pelas magrelas, sequenciou a fala, surpreendendo-me com cada frase, olhar, elegância nos gestos e doçura de quem bem domina a arte de contar a sua própria história, acrescentando, entusiasmado:

‘Eu e um amigo éramos invencíveis em corridas de bicicletas na região de Pescara. À época, os grandes campeões eram Cope e Bartali.(ícones do ciclismo mundial), com mais idade do que nós, e já profissionais.Estávamos nos preparando para substituí-los nas grandes provas da Europa, começando pela Itália, sonho com grandes possibilidades de se tornar realidade , pois , em nossa região, éramos imbatíveis.”  E acrescentou convicto , seguro : “Tínhamos tudo para isto, mesmo porque pedalar fazia parte do meu ofício diário, subindo e descendo morros da zona rural de Pescara, com a bicicleta carregada de todo tipo de mercadoria."

A guerra, a imigração, interrompeu este caminho que trilharia o senhor Aprile. Mas ficou mais esta história para ser contada.

Envolvia-me cada vez mais , enquanto Victor e Ró ,em outra mesa, deliciavam-se , literalmente quase mergulhados em dois pratos pedidos , um dos quais o famoso filé.

Apesar do sabor, da certeza da delícia que abastecia os dois, alimentava-me com a história do senhor Aprile. Perguntando porque ele não a escrevia , disse-me que já está fazendo isto. Porém, para assim se expressar, houve um certo ritual, enriquecedor da forma de contar, dizendo que, estimulado por netos, familiares, para escrevê-la, comprou um caderno escolar somente para este fim , estando com relatos crescentes, intercalando frases, conceitos, expressões tanto em italiano quanto em português, esforçando-se muito em função de confessada limitação escolar.

-Não se preocupe, senhor Aprile, importante é anotar o que for possível, o que vier da memória; alguém vai ler, traduzir, transmitir sua história, disse-lhe. Retomou a fala o senhor Aprile para dizer que tem uma neta jornalista, Karine Yervese Aprile , que trabalha no Jornal à Tarde, afirmação que me fez certo de que  a publicação do seu livro será para breve. Sua neta jornalista , afirmou, é uma das suas incentivadores.

Fez questão de pontuar: "a parte que quero contar da minha vida , são as minhas conclusões, teses, convicções, meus conhecimentos da história que construí,. coziando,  degustando, aprimorando  o Filé à Parmegiana.

Deduzi naquele encontro , sem esforço, ter o senhor Aprile muito contribuído para apuração do cozimento, enfeite e sabor daquele Filé, como hoje o conhecemos na Bahia, a partir do primeiro restaurante, o Abruzzi  em 1960. Dali , diz seu Aprile, resultaram os mais deliciosos filés à Parmegiana da Bahia, consagrados por restaurantes como Volare e Bella Napoli, em Salvador, e pelo Giacamano, que funciona em Jaguaquara; restaurantes estes , todos eles, originários da Familia Aprile, das colônias italianas de Itiruçu e Jaguaquara.

Pretendia contar para mim apenas a parte da sua história em Jaguaquara, relativa ao delicioso filé . Mas, para minha sorte, terminou emendando, melhorando, enriquecendo-a para tecer comentários sobre Mussolini; Clero Italiano da sua época; imigração; festa do trigo em Jaguaquara; seu talento para variados ofícios, principalmente para o comércio, mecânica, cozinha e ciclismo, este interrompido pela sua vinda para o Brasil.

Quase não almocei, interessado nas histórias e estórias ali escutadas. Com receio de  Ró e Vitor não deixarem  nem um pouquinho do filé para mim, o que por pouco não aconteceu, dirigi-me para a mesa deles, arrastando o senhor Aprile que, generosamente, continuou contando a sua história de vida, pontuada por algumas tristezas, como a vivenciada pelo  falecimento da sua esposa , vitimada por câncer, fato que o abateu profundamente.

Mais uma pessoa para contar belas histórias de livro, Jaguaquara, bicicleta e comida. Sem esta última, não há vida. Por isto, ficou bem melhor tudo juntado, misturado pelo senhor Aprile, operação que bem desenvolveu para tornar tão apreciados os pratos servidos no La Campana, com destaque para delicioso Filé.

Volto lá para ouvir mais e comer bem mais.

Quem passar por Feira de Santana, não pode deixar de conhecer o Restaurante LA CAMPANA. Pelo menos aqueles que gostam de boa comida, temperada com histórias, como as contadas por aquele simpático senhor.

E se  tiver mais sorte do que hoje tive,  poderá ainda ouvi-lo tocando sanfona; com a qual, na companhia de seu contemporâneo de colônia Giuseppe Petaccia, realizou muitos festejos sob o efeito bendito dos vinhos caseiros, fabricados ali mesmo, na colônia italiana de Jaguaquara. Ao lembrar-se  do amigo, já falecido, seus olhos brilharam, revelando muitas saudades. E cantou,  baixinho, imitando a voz de tenor do amigo: "O Sole Mio", canção que embalava as festas, lembranças, saudades das suas vivências na terra natal italiana e juventude em Jaguaquara.

Não nos contou tudo o senhor Aprile. Muito menos o faço aqui. Terei que voltar lá outras e outras vezes. Enquanto isto, seguirei fazendo minhas leituras, pedaladas, contando estas coisas para meus amigos; e o seu Aprile , em Feira, oferecendo o seu incomparável filé; e pondo no papel as suas histórias que seu futuro livro conduzirá para mais gente, por mais tempo e para bem mais longe: missões próprias deste majestoso condutor de saber. E tudo bem simples, gostoso, igual à sua cantina, filé, bicicletas, livros e sonhos. Estes, sempre infinitos.

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LÁ CAMPANA: Rua São Domingos, 86, Capuchinhos, Feira de Santana.

Se alguém tiver dificuldade em localizar, peça a um mototaxi para levá-lo até lá. Paguei cinco reais a um deles, que me serviu de guia e me deixou na porta do LA CAMPANA, sem qualquer dificuldade.

Quem tem boca vai à Roma. Muito mais fácil será chegar à cantina LA CAMPANA, do senhor Aprile.

Aproveitem a lembrança, copiem,colem , o vídeo abaixo ; fechem os olhos e entreguem-se ao belo mundo das harmonias sonoras: "O Sole Mio":

http://www.youtube.com/watch?v=sjqHA8x1rOk
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Publicado no bikebook.com.br

Muraldebugarin e folha do recôncavo.

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