Freada de bicicleta
Jolivaldo Freitas,
publicado na Tribuna da Bahia do dia 18.10.2007
Quando o Papa aqui esteve, meio do ano, escrevi sobre as mordomias que a Igreja estava pagando para gáudio dos apostólicos e romanos, lá do Vaticano, que chegavam naquele instante ao Brasil. Aproveitei e disse que estava vendendo Pílulas de Frei Inácio. Acredite que recebi exatamente 21 emelhos de pessoas que queriam comprar as tais pílulas. O povo não notou que era uma gozação. Agora, entusiasmado, estou pensando em vender bênção pela Internet. Já vi que existe comprador para qualquer coisa. Que o digam os Hernandez e Edir Macedo.
Foi o que me disse, certa vez, Marcos Carrapeta, quando decidiu que iria vender a irmã, quero dizer, a bicicleta. Era um treco velho e quebrado, a bicicleta, claro, faltando pneu e selim e se não me engano era da marca Monark. Cor verde, pára-lama, lanterna, adesivo preto com prata, mas sem um pneu e sem freio e cheia de pontos de ferrugem. A catraca fazia barulho parada, imagine se andasse.
Foi quando ele decidiu que devia vender. Queria comprar uma bicicleta nova, para ir trabalhar. Sua ideia era sair do Mont Serrat até a Calçada, pedalando e enfrentando as ambulâncias da Samdu e os ônibus da SMTC. Naquele tempo tinha mais ambulância que hospital em Salvador, embora hoje tenha mais hospital e menos leito ou médicos. As ambulâncias atendiam em domicílio. Hoje nem sei se tem ambulância, nunca mais vi nenhuma do estado ou prefeitura. Só observo que a BR-324 fica cheia daquelas que pertencem às prefeituras, que foram super-faturadas e servem para conduzir até vaca doente, contanto que seja animal de estimação do prefeito.
Como passar para a frente uma bicicleta que não servia para nada, era o desafio de Carrapeta. Aliás, posso garantir que ele foi o primeiro no Brasil a organizar uma caravana de bicicletistas. Num domingo pela manhã cedo partiu da Ponta do Humaitá em direção a Itapuã. Eram cinco com ele. Quando chegaram nas imediações da Invasão do Bico-de-ferro, onde hoje é o Jardim dos Namorados, foram assaltados e tiveram de voltar a pé. Naquele tempo os ônibus da SMTC pert?????h??»enciam à Prefeitura e era difícil encontrar algum nas ruas à noite. O último passava às dez da noite e depois só ás seis da manhã. Aos domingos passava algum a cada três horas. Foi melhor andar da Orla até a Zona Itapagipana.
Até hoje Marcos Carrapeta lembra de Zezinho da banca-de-bicho ficando branco ao ver o pessoal armado de facas e canivetes cercando o grupo e pedindo a bicicleta. Zezinho deu uma freada tão brusca que na cueca ficou a marca da pressão da bunda escorregando no selim coberto de plástico. Um traço longo e reto. A famosa freada de bicicleta.
Voltando à venda da bicicleta, ninguém querendo comprar, ele teve várias ideias para tentar despachar a peça. Fez Raid das Moças, Loteria de Zoológico, tentou vender números para sorteio, e nada. Decidiu colocar os pneus para ver se atraía comprador e ninguém se arvorava a adquirir aquilo. Foi quando anunciou que aquele que comprasse a bicicleta poderia dar uma volta com a irmã: garota nova, bonita, ousada, que usava minissaia e basqueteira americana. Apareceu comprador de tudo que era lugar e o preço da bicicleta, que nada estava valendo até aquele momento, subiu mais que ações da Vale do Rio Doce quando foi privatizada. Quem deu mais levou. Pegou a bicicleta, colocou Maria Carrapeta na garupa e se mandou. Uma hora depois chega a moça, trazendo de volta a bicicleta, do jeito que foi. Ninguém nunca perguntou o que tinha acontecido e Marcos voltou a vender a bicicleta e a irmã muitas vezes. Eu mesmo as comprei, certa vez. Não me pergunte porque devolvi a bicicleta e nem peguei o dinheiro de volta. O importante advogado e audaz bicicleteiro, Valci Barreto também comprou.