sábado, 12 de março de 2011

SEBASTIAO NERY

Entrevista da SEBATIÃO A JORNALISTA DO JORNAL à TARDE:


“Antonio Carlos Magalhães foi um tenente de 1964”


Em 1967, depois de assumir a Prefeitura de Salvador,  Antonio Carlos Magalhães viajou para o Rio de Janeiro. Hospedou-se no Hotel Califórnia. Em visita ao político baiano, o jornalista Sebastião Nery ouviu uma ousada previsão: “Juracy Magalhães mandou na Bahia 30 anos. Eu vou mandar 40” . Exatamente 40 anos depois, Nery avalia o legado político de ACM, comparando-o aos revolucionários de 30, que  também implantaram um projeto de Estado depois da mudança de regime. “A presença de Antonio Carlos ainda vai durar algum tempo”, acredita. 

Colunista político da Tribuna da Imprensa desde 1968, a convite de Helio Fernandes, Nery  está há 53 anos no jornalismo.  De humor afiado, é autor de Folclore Político, um clássico da literatura política brasileira. 

Ex-deputado federal, ele avalia a crise do Congresso Nacional e defende uma reforma política que acabe com o voto proporcional:  “A única reforma possível para construir os partidos é o voto distrital”. Para ele, o Congresso virou uma feira de negócios e não uma representação nacional.  Em recente passagem por Salvador, concedeu uma entrevista ao repórter Claudio Leal. 

Usando a memória como arma, analisa  a trajetória de ACM, a sucessão política na Bahia, o declínio das escolas de formação dos políticos brasileiros e ainda guarda ironias ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, vaiado na abertura dos jogos Pan-americanos, no dia 13 de julho, no Maracanã.

 
A TARDE - Como o senhor  define a personalidade política de Antonio Carlos Magalhães?
Sebastião Nery - Antonio Carlos não foi um caudilho. Era um fazendeiro. Os caudilhos são estéreis, não deixam herdeiros. Veja  Getúlio Vargas e Leonel Brizola: deixaram nome, imagem histórica, mas não herdeiros. Já o fazendeiro Antonio Carlos  tinha seus vaqueiros.  Preparou seus administradores. O vaqueiro é  aquele  toca seus projetos políticos:  Paulo Souto, Waldeck Ornellas, Mário Kertész, Antonio Imbassahy. Brizola deixou apenas um vereador – seu neto, no Rio. Brilhante vereador, mas só foi ele. A presença de Antonio Carlos ainda vai durar algum tempo. É uma ilusão achar que acabou. Vamos tirar isso a limpo nas urnas.  E ver quem vai herdar seus votos –  se Jaques Wagner, Geddel ou Paulo Souto.
AT | Mas o estilo político de ACM ainda terá seguidores?
SN - O estilo é diferente. Ele não tinha feito essa história se não fosse uma ditadura. Antonio Carlos foi um tenente de 1964. E o que eram os tenentes de 30? Jovens que fizeram uma luta política, ganharam a revolução e implantaram um projeto de Estado. Antonio Carlos não esperava o golpe. Quando veio, procurou adaptar-se. Teve essa capacidade política. Com todo o talento que tiveram, em 30, Juarez Távora, Juracy Magalhães  e Cordeiro de Farias. Há um erro que se comete na análise da vida dele. Não bastava ser o fazendeiro que foi, com a energia, os gritos e as brigas. Ele teve uma visão do futuro da Bahia. Coisa objetiva: Antonio Carlos tomou de Pernambuco a liderança política e econômica do Nordeste.  Foi o maior líder da Bahia nos últimos 50 anos. Antes de 64, os protagonistas eram os pernambucanos Agamenon Magalhães, Etelvino Lins, Barbosa Lima, Miguel Arraes.

AT | Por que ele perdeu poder?
SN - Por cansaço da população e problemas de liderança. Só imaginava que Paulo Souto seria o governador. Vetou a candidatura de Imbassahy ao Senado. Um amigo, jornalista, perguntou a ele: "Senador, por que o senhor vetou Imbassahy?". Respondeu:  “Porque enquanto eu for vivo quem indica o governador da Bahia sou eu. Se ele se eleger senador, daqui a quatro anos vai querer impor sua candidatura a governador. E não sei se vai ser esse meu projeto". Então perdeu tudo porque impôs como senador Rodolpho Tourinho, que entende tanto de voto quanto eu de energia atômica.


AT | O  principal herdeiro político não vai ser Geddel Vieira Lima, que é um adversário recente?
SN - O que é uma contradição absoluta. Mas também não acredito no Jaques Wagner. Ele é agradável, simpático, mas foi o único ministro do Trabalho, no Brasil, substituído por incompatibilidade vernacular! E o trabalho? Sem a Academia de Letras pedir, Lula o transferiu para o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Nem o conselho, nem a economia, nem o social se desenvolveram. Só Wagner se desenvolveu. Veio para a Bahia e virou governador.

AT | Há pouco, o senhor falou numa geração de políticos que tinha um preparo. Por que caiu o nível do nosso  político médio?
SN - O problema é o capitalismo brasileiro. Ficou mais poderoso e o empresariado resolveu comprar o Congresso. Atrás de cada senador, há uma empreiteira. Atrás de cada deputado, há um banco. Olhe quem o Itaú e o Bradesco financiaram. Eles têm no governo quem os defenda, mas precisam dos congressistas para aprovar projetos.
AT | Onde o senhor indentifica o centro da crise do Congresso?
SN - Ou o Brasil faz uma reforma política, ou o Congresso brasileiro entra numa absoluta inviabilidade. Hoje você não tem mais deputado. Você tem micros, pequenos e médios empresários, que empresariam sua vida política, compram um mandato. Esses empresários particulares, que são os deputados, deviam se inscrever no Sebrae. E pagar imposto de renda pelo Simples... O Congresso é uma grande feira de Caruaru. Não há líder de partido que lidere dez pessoas. Porque, na verdade, não são líderes, são grupos. Grupos que se administram, politicamente, a partir da administração de interesses. Resumindo, o Congresso é uma federação de negócios e não uma representação nacional. Ou se faz a reforma política, a reforma partidária, a reforma eleitoral, ou vai chegar uma hora em que o presidente da República não vai conseguir aprovar nada no Congresso sem comprar.

AT | Concorda com o diagnóstico de que o Congresso foi degradado no regime militar?
SN - Um pouco. Na  verdade, o maior crime político dos militares foi cortar as escolas políticas do País. A  Une (União Nacional dos Estudantes) era uma grande escola. Virou um escritório eleitoral do PCdoB. A Une hoje tinha que ser presidida  por um João Amazonas. Mas não tem só isso. Cortaram a escola de política que era a Igreja Católica. Foi jogada num combate às torturas. Para completar, o fechamento dos partidos políticos. Eles representavam um mapa nacional. A UDN (União Democrática Nacional) mais urbana, o PSD (Partido Social Democrático) mais agrícola e o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) mais povão. Fecharam tudo.  Perdemos a formação dos políticos brasileiros.

AT | E nota-se,  no processo de Renan Calheiros, uma indiferença à opinião pública.
SN -  Porque as fontes de votos  não são a opinião pública. Ninguém ali é senador pela opinião pública, mas por um grupo empresarial financiador.  A Câmara é pior ainda, porque os grupos são menores e os interesses mais mofinos. Tem que fazer a reforma dos partidos. Mas a base de tudo é:  o País precisa resolver o problema do voto proporcional, que é um voto comprado, de mascate.

AT | Qual a melhor proposta de reforma política?
SN - A única possível para construir os partidos é o voto distrital. Me diga uma coisa: o  voto inglês é distrital, o inglês, o espanhol, o italiano, o belga, o alemão... Quer dizer, todos são débeis mentais, só os brasileiros são uns gênios! O voto proporcional existe porque é o voto da compra. Aí, você diz: faz o voto distrital e o deputado vira vereador. Nada.  Ele vai ter que representar, ao menos,  sua cidade ou seu distrito. Será mais fiscalizado.  Cada partido vai ter que lançar o melhor candidato.

AT | O esvaziamento da  esquerda não é outra crise a ser pensada?
SN - O grande golpe da esquerda foi a queda do Muro de Berlim e o estouro da União Soviética. A maioria da opinião pública  concluiu que a esquerda estava errada. Por outro lado, houve uma cooptação claríssima da esquerda. Não há maior processo de cooptação de um partido, na América Latina, do que o PT. O PT é tão à direita quanto  o PSDB. Qual é a diferença? Não tem nada mais de  esquerda. Querem pegar um naco do poder.

AT | A política econômica diminuiu o poço entre PSDB e PT?
SN - A política econômica não é do governo. É do Fundo Monetário e do Banco Mundial, representados, no Brasil, pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles (na realidade, ministro da Fazenda). Ele dá as linhas da política econômica do governo. Guido Mantega não é um ”mantega”, é uma margarina. Não decide nada. Quem decide é o Meirelles. E Meirelles fala pelo Banco Mundial. Com a política de juros altos, Lula comprou o sistema financeiro. E o sistema financeiro é a maior influência da imprensa do Rio e São Paulo, sem falar da verba de propaganda. Com o sistema financeiro, o sistema de comunicações e os miseráveis do Bolsa Família – a quem dá dinheiro, e tem que dar mesmo – ele fecha os 60% do apoio que tem.

AT | Houve uma divisão social do voto em 2006?
SN - Qual é a diferença da comunicação de Jaguaquara para o eleitor de Salvador? A televisão levou  a política para o interior.  O que Lula conseguiu foi uma comunicação mais direta do que os outros presidentes tinham. Faz mais viagens e mais discursos. O PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) é  um projeto de comunicação. Há 42 PACs? Ele faz 42 comícios.

AT | Quem vaiou Lula na abertura dos jogos pan-americanos?
SN - Quando Lula apareceu em público para ser vaiado ou não ser vaiado? Nunca. Ele pega uma favela do buraco livre, com o prefeito e o governador. Todo mundo de bandeirinha... Mas o povo não é bobo. Está ali como cliente. Repetindo Lula: “Estou convencido que nunca antes na história deste país” um presidente da República foi vaiado seis vezes em seis minutos. É um recorde mundial! Tem que receber seis medalhas de ouro do Pan.  Aí dizem: o César Maia comandou. O César deu apenas 12% de votos para a candidata dele à prefeitura. E não era classe alta coisa nenhuma. A maioria dos convites era de 20 reais. Voluntários estavam lá arranjando um bico. O Maracanã ainda não tinha tido uma chance de vaiar o Lula. 

AT | Começou a escrever seu livro de memórias?

SN - Vou anunciar dois livros. Mas que publicarei no ano que vem. Meus livros demoram muito de maturar porque pesquiso. Quando sento no computador, fico possesso. Tenho um livro, primeiro volume de dois, que vai se chamar “Histórias de Viagens”, sobre minha experiência política. O primeiro volume será “Do Seminário a Moscou”.

AT | Vai entrar a criação do Jornal da Semana, de  oposição ao segundo governo de Juracy?
SN - No segundo volume, vem Jornal da Bahia, A TARDE, o meu Jornal da Semana, o golpe e a ida para o Rio. Há outro livro que vou fazer: “Meu amigo santo”. É sobre Frei Pio. Não é todo mundo que tem um amigo que vira santo. Na minha  Jaguaquara, os  frades  me falavam dele.  Em 1958, fui à cidade de San Giovanni Rotondo, na Itália, onde morava Frei Pio de Pietrelcina, que tinha uma chaga nas mãos. Pronto, são esses. Olha lá, hein? Cuidado com esta entrevista. Sabe a história de Assis Chateaubriand?  Uma vez eu o entrevistei para o Jornal da Bahia. Foi muito atencioso. No jornal, escrevi o texto e fui embora. Depois, quando levei a edição para Chatô, notei que metade da entrevista foi cortada, para entrar um anúncio. Gelei. Minha sorte foi que, assim que me viu, no Hotel da Bahia, ele gritou: “O fotógrafo! O fotógrafo! Cadê ele? Foi a melhor foto que já tiraram de mim!”.

AT | Não ligou para o corte?

SN -  Pedi desculpas. Ele então me disse, com aquela voz potente: “Meu filho, eu sou dono de jornais. A notícia foi criada para separar os anúncios. Além do mais, uma página de texto não vale um centímetro de foto”.. E pediu cem cópias ao fotógrafo. Para distribuir.

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