sexta-feira, 30 de maio de 2008

recortado da Tribuna da Bahia , de 30.05.2006.

Um réquiem para Artur da Távola



* Joaci Góes é empresário e escritor. joacigoes@uol.com.br



Encontrava-me em Éfeso, na Turquia, berço de Heráclito, filósofo pré-socrático, considerado o pai da dialética (“panta rhei”, tudo flui, tudo se move), quando nas primeiras horas do dia dez último recebi a notícia do falecimento, no dia anterior, de Artur da Távola. Daí em diante não consegui mais conciliar o sono, inteiramente absorvido pelas lembranças da minha convivência com esse querido amigo que foi uma das personalidades mais ilustres do Brasil contemporâneo.
Inteligente, culto, íntegro, educado, solidário, corajoso, sereno, Paulo Alberto Moretz-sohn Monteiro de Barros, ao regressar do exílio no Chile, em 1968, no governo Costa e Silva, acolheu o conselho de Samuel Wainer ao adotar o criptônimo de Artur da Távola, para assinar seus textos jornalísticos, com o propósito de confundir os órgãos de segurança da ditadura militar então reinante. Mais tarde decidiu incorporar ao seu nome o pseudônimo com o qual veio a granjear merecida fama.
O advogado, jornalista, professor, radialista, escritor, político e homem de televisão Artur da Távola imprimia inconfundível marca de excepcional qualidade em tudo o que fazia. Foi assim quando lecionou jornalismo no Brasil e no Chile. De igual modo brilhou nas colunas que assinou nos jornais cariocas O Globo, Última Hora e O Dia, versando sobre crítica televisiva, cinematográfica, musical ou literária. Muitas de suas crônicas que encantaram o Brasil, ao lado dos contos que produziu, compuseram alguns dos mais de vinte excelentes livros que publicou. Sua atuação como radialista criou uma relação de íntima cumplicidade com o universo de seus ouvintes que acreditavam com ele que “música é vida interior, e quem tem vida interior jamais padecerá de solidão”.
Não foi diferente a superior qualidade da atuação de Artur da Távola como político militante.
Trabalhamos lado a lado no âmbito da Assembléia Nacional Constituinte, em que foi o relator da Comissão de Educação, Ciência e Tecno-logia. Registro como prova do seu talento o memorável voto oral que proferiu ao longo de duas horas, com o apoio de breves anotações. O texto final, escorreito, denso e elegante, mais parecia o resultado de um esforço demorado e paciente, em que as palavras saem devagar, uma após a outra, harmoniosamente concatenadas, como num trabalho de fina ourivesaria. Para que se tenha uma idéia do valor do seu histórico voto, basta dizer que esse é o capítulo da Constituição Cidadã que menos reparos recebeu desde sua promulgação em outubro de 1988. A mais desse episódio singular que dá uma idéia do seu grande valor intelectual, Artur da Távola foi um grande parlamentar, como deputado estadual, federal e senador da República. Seu trabalho como presidente nacional do PSDB, partido de que foi fundador, é igualmente festejado.
Se fosse possível resumir em apenas um qualificativo esta que é uma grande biografia, diríamos que ele foi um memorável educador, tendo atingido, por caminhos diferentes, a mesma altura do primeiro sogro Anísio Teixeira, em razão do casamento com Babi, filha do exponencial educador baiano, com quem teve os filhos que hoje tanto contribuem para o enriquecimento da vida cultural do País.
Lá se vão vinte anos, desde quando perguntei a Babi, porque estando divorciada de Artur da Távola, ela tão jovem e bonita não se casara outra vez. Sua resposta é expressiva da melhor síntese sobre as qualidades humanas do ilustre morto: “Tendo sido mulher de Paulo Alberto, é improvável que encontre algum homem que não me pareça pequeno diante dele”.
É preciso dizer mais?
Para mitigar a dor da perda do pranteado amigo, lembrei-me das lições de Heráclito que nascera e vivera ali mesmo em Éfeso, há dois mil e quinhentos anos, onde me encontrava: “As coisas só existem pelos seus contrários. Sem a noção do mal, não seria possível a concepção do bem. Nem o feio sem a noção do bonito. Não se poderia conceber a vida sem a existência da morte. A vida é um fluxo contínuo, um permanente devir. Por isso não nos podemos banhar duas vezes nas mesmas águas de um rio”.
Agora que Artur da Távola nos deixou, talvez seja possível reavaliar o seu trabalho para que se conclua que ele foi ainda maior do que o prestígio que usufruiu em vida.
Tinha razão Aristóteles: “A grandeza não consiste em receber honrarias, mas em merecê-las”. E Artur da Távola merece mais honrarias do que as muitas que recebeu.
Para o momento, só me resta somar a minha voz ao réquiem que a sociedade brasileira continua a entoar pela perda deste grande filho.

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