DONA DE CASA MANTÉM BIBLIOTECA

RECORADO DO WWW.GAZETADOSUL.COM.BR



Mãe de nove filhos, Maria Leoni acumula funções para garantir o sustento. Sonho é ter um espaço só para a biblioteca

Francine Schwengber
francine@gazetadosul.com.b

A casa não tem reboco; o pátio não tem grama, mas ainda assim algumas espécies de plantas florescem junto da cerca de arame. Um pequeno portão dá acesso à residência de Maria Leoni Pereira da Luz, dona de casa, viúva do primeiro marido e mãe de nove filhos. Estatura mediana, ela carrega nos ombros o fardo de sustentar a prole sozinha. Para tanto, oferece à comunidade do Parque São Jorge, em Rio Pardo, serviços como corte de cabelo, tintura, manicure e pedicure. Com roupas seminovas e usadas, montou um brechó e improvisa a venda na frente da moradia. O tempo é escasso e o dinheiro é curto, mas para Leoni o que importa nesta vida é contribuir para o desenvolvimento de um país melhor.

Pensando dessa forma, a dona de casa de 43 anos inaugurou a Biblioteca Parque São Jorge, há nove anos. Diminuiu o espaço físico de sua residência, ficando apenas com a cozinha e um quarto – onde dorme com os sete filhos; dois já casaram. A primeira peça, com poucos metros quadrados, reservou para a biblioteca comunitária, que possui atualmente mais de três mil exemplares diversos, todos doados pela comunidade local e da região. O acesso é livre para quem tem interesse em pesquisar nos livros didáticos ou aprecia literatura.

Duas prateleiras, também doadas, suportam os títulos. Alguns deles estão amontoados ou dispostos em caixas de papelão por falta de espaço. Ali, Leoni também abriga alguns dos materiais que utiliza quando exercita seus dotes de cabeleireira. Alguns espelhos apoiados numa estante improvisada dão a falsa sensação de um cômodo maior. “O espaço é pequeno, mas a gente se vira”, diz ela, cujo sonho é ter um local exclusivo para a biblioteca.

SUSTENTO

Enquanto o sonho não vira realidade, Leoni não se intimida com as dificuldades do dia a dia. Acorda cedo para atender a filha de nove meses e aproveita para abrir a porta da frente da residência, indicando aos vizinhos que o salão e biblioteca estão à espera de clientes e leitores. O sorriso nos lábios é marca registrada da filha de Maria Arminda Pereira da Luz, também viúva. “Moro aqui do lado, mas tem dias que não vejo Leoni e as crianças”, comenta Maria, referindo-se às diversas atividades da filha para garantir o sustento da família.

Com a biblioteca, Leoni recebe alguns trocados pelo empréstimo de livros de literatura. Para as publicações didáticas, o empréstimo é gratuito. “Faço isso por amor. Penso que todos precisam ter acesso aos livros. Assim como meus filhos vivem em meio aos livros, quero que as outras crianças e suas famílias também tenham essa oportunidade”, comenta ela, que estudou apenas até a 4ª série do ensino fundamental. O trabalho voluntário da dona de casa partiu da vontade de entreter as crianças do bairro com alguma atividade. “Tento incentivá-los. O espaço, ainda que bem pequeno, existe”.