quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Da Bahia a Nova York de Bicicleta!

Há 80 anos, baiano percorria as Américas de bicicleta...


(Por Lucas Fróes)

publicação extraida do jornal À TARDE.


Quem considera uma façanha heróica a viagem motorizada de Che Guevara pela América do Sul certamente não conhece a história de Rubens Pinheiro. Pois há 80 anos, o jovem baiano, então com 17 anos de idade, saiu de Salvador rumo a Nova York, nos Estados Unidos, pedalando uma bicicleta. Foram 18 mil quilômetros de um raid (jornada) que só terminaria dois anos depois. Um feito até então inédito. Se em 1952 o Che foi da Argentina à Venezuela junto com o amigo Alberto Granado – que escreveu um livro que deu origem ao famoso filme “Diários de Motocicleta”, de Walter Salles – Rubens Pinheiro teve como companhia apenas a sua bicicleta da marca alemã Opel durante toda a viagem.

Tudo começou quando Pinheiro conheceu o ciclista pernambucano Maurício Monteiro, que estava de passagem por Salvador rumo a Buenos Aires. Os dois conversaram e Rubens disse que sonhava em fazer uma viagem daquelas. Ouvindo isto, o pernambucano lhe Convidou para acompanhá-lo no resto da viagem. Rubens refutou, já que pouco entendia de ciclismo. O pernambucano ironizou-o, dizendo que nenhum baiano teria coragem de fazer uma jornada como aquela. Mas Rubens desafiou-o: “talvez haja um baiano que faça uma viagem maior que a sua”.

E faria mesmo. No dia 15 de março de 1927, o jornal soteropolitano Diário de Notícias destacava: “Eram 8 horas e 40 minutos hoje. Um rapaz, roupa de escoteiro, ao lado de uma bycicleta devidamente equipada, recebia os últimos adeuses dos seus camaradas na hora da partida para uma aventura realmente prodigiosa: cobrir, pedalando, as distâncias imensas que separam esta cidade de New York”.

Com foguetes, acenos de populares e companhia dos amigos nos primeiros três quilômetros, Rubens partia para uma viagem digna de desbravar a América. Logo viria o primeiro contratempo. Quando estava em Miguel Calmon, foi obrigado a retornar a Salvador, pois o filho do prefeito resolveu dar uma volta na sua bicicleta e acabou destruindo-a. Caminho de volta feito, bicicleta consertada e Rubens seguiu estrada. Pedalando rumo ao norte da Bahia, o ciclista atravessou a divisa do estado do Piauí. De lá passou por Maranhão, Pará e Amazonas. Neste trajeto, apenas no caminho a Manaus ele foi obrigado a pegar um navio. Mesmo assim, passou todo o tempo pedalando no interior da embarcação para, da maneira dele, também percorrer a distância.

Depois de sair do Brasil cruzando a fronteira com a Venezuela, passaria por Colômbia, Panamá, Nicarágua, Honduras, El Salvador, Guatemala e México, até entrar nos Estados Unidos, já em 1929. Mais algumas semanas pedalando em solo norte-americano e ele chegaria à Nova York no dia 1º de abril, onde foi recebido pelo cônsul geral do Brasil, Sebastião Sampaio, e ganharia um banquete oferecido pelos brasileiros residentes no bairro do Brooklin. Rubens ainda permaneceu mais dois meses nos Estados Unidos, trabalhando como pôde, até retornar ao Brasil.

Diários de bicicleta - Em sua bagagem, Rubens Pinheiro levou um caderno que preencheu com assinaturas de autoridades e das mais diversas pessoas que testemunhavam sua jornada e ofereciam suas boas recomendações para terceiros. Além disso, ele distribuía um cartão com sua identificação, numa forma elegante de pedir contribuições. Uma parte do que ganhava era enviado direto para a mãe, em Salvador. Na Venezuela, chegou a receber dinheiro do próprio presidente do país, o General José Vicente Gómez. No México, foi recebido em pessoa pelo presidente Emilio Portes Gil. Precisando levantar dinheiro para prosseguir viagem, Rubens se virava como podia.
Além das doações que recebia, ele fazia exibições ciclísticas e participava de corridas. Apelava também para a criatividade. Numa de suas estadas, fez amizade com um garoto que o conheceu com sua bicicleta na porta do colégio. Rubens deu dinheiro a ele, a um outro amigo e combinaram um plano: foram ao restaurante do hotel e deixaram cartões em todas as mesas, antes que os clientes chegassem. Quando a sala estava repleta, os garotos se levantaram, fazendo questão de serem notados, e deram o dinheiro a Rubens. Em ato contínuo, todos os presentes resolveram seguir o exemplo fazendo doações ao brasileiro. As situações inusitadas do trajeto foram muitas. No alto do Rio Negro, em plena selva amazônica, o baiano se perdeu e acabou passando dois dias em cima de uma árvore, com medo de uma onça que esperava pacientemente para “almoçá-lo”. Quando o bicho se cansou ele deu no pé, saiu correndo e esqueceu a bicicleta, que só foi recuperada dias depois.

Foi por manter contato com as pessoas mais diversas que Rubens acabou sendo companheiro de estrada de um homem que carregava dois revólveres. Era simplesmente o revolucionário nicaragüense Augusto César Sandino. Em outro lance da história, ele passou pelo Canal do Panamá e conheceu de perto os revezes da influência dos Estados Unidos na América Central. Em busca do ciclista perdido - Apesar da façanha, o nome de Rubens Pinheiro é completamente desconhecido dos órgãos esportivos. Federação baiana e confederação brasileira de ciclismo, comitê olímpico brasileiro ou mesmo historiadores, ninguém tem sequer uma pista sua. Tudo o que se sabe de sua história foi relatado no livro “Herói esquecido – Raid em bicicleta”, escrito e lançado por ele mesmo, em 1978, meio século depois da façanha.

Mas o amargo do esquecimento que ele se queixa no livro começou a ser sentido pelo baiano logo após o raid ciclístico. Quando chegou de navio no Rio de Janeiro, regressando dos EUA, Rubens não teve o apoio nem o reconhecimento desejado dentro do próprio país. Esperou duas semanas até conseguir uma audiência pública com o presidente Washington Luís. Quando se aproximou do mandatário, lhe contou da viagem pedindo também um emprego e uma passagem de volta para a Bahia. “O Brasil mandou você fazer alguma coisa?”, respondeu secamente o presidente, que seria deposto pela revolução de 30.

No mesmo dia da decepção na audiência, ele foi acolhido por Luis Lasaigne, diretor da Mesbla na então capital federal, que ficou sensibilizado com a história e lhe deu passagens de volta à Bahia. Em troca, Rubens deixou sua bicicleta para ser exposta na vitrine da loja. Na volta a Salvador, Rubens iria continuar dando mostras de que era um aventureiro por natureza. Se na infância ele aproveitava, escondido, as matinês do Cinema Olympia – além de ter fugido de casa para trabalhar –, agora, depois do raid, continuaria fazendo das suas. Organizou uma missa no Bonfim em que, ao final, desceu as escadarias montado de costas na bicicleta.

Uma vez na cidade natal, Rubens logo precisaria se organizar para trabalhar e ganhar a vida. Ele fazia o que aparecia pela frente. Primeiro tirou carteira de habilitação e trabalhou como motorista. Depois, chegou a ser guarda de trânsito. Mas certa feita um grande circo chegou à cidade. E chegou oferecendo um prêmio de um conto de réis para quem se habilitasse a andar de moto no globo da morte. Provavelmente não imaginavam que haveria um Rubens Pinheiro no caminho para topar a parada e ganhar o prêmio. Depois deste dia, seguiu viagem com um grupo mambembe. Largou a corporação e optou pelo circo.
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Nota do Bikebook: um filho de Rubem , também Rubem Pinheiro, atualmente vende selos, postais, moedas antigas, cartões telefônicos para colecionadores, em frente à sede dos correios na Pituba, Salvador-Bahia.

O Neto, também Rubem Pinheiro, é produtor cultual, camera man, morando na França.

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