PUBLICADO NA FOLHA ILUSTRADA ON LINE,
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Artista Frans Krajcberg se isola na mata para
fugir dos homens
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SILAS MARTÍ
ENVIADO ESPECIAL A NOVA VIÇOSA
ENVIADO ESPECIAL A NOVA VIÇOSA
Ele está sozinho na mata. Frans Krajcberg aparece com o rosto e a mão sangrando numa clareira, único ponto onde os raios do sol atravessam o verde denso das copas das árvores. Não se incomoda com as feridas na pele frágil nem com o ataque feroz dos insetos no cair da tarde.
"Eu plantei todas essas árvores, agora elas cresceram e nem vejo mais o mar", diz o artista. "Só aqui eu me sinto feliz. Essa é a minha família."
E a casa é um sítio em Nova Viçosa, povoado no sul da Bahia, onde o artista polonês, radicado no país desde os anos 50, vive há quase quatro décadas. Ele mora numa construção de madeira equilibrada sobre um tronco.
Eduardo Knapp/Folhapress | ||
O artista polonês Frans Krajcberg no sítio onde vive sozinho, em Nova Viçosa, no sul da Bahia |
Tem vista para o que sobrou da mata atlântica, onde copas frondosas cobrem o horizonte e afogam o mar num rugido surdo. Verde é a cor dominante na paleta.
"Já de criança, eu ia à floresta, abraçar árvores e beijar as folhas", lembra Krajcberg, que faz 90 anos na semana que vem. "Depois, queria fugir do horror e do homem e morar nessas florestas."
No caso, o horror são as atrocidades dos homens na Segunda Guerra. Sua mãe morreu enforcada por nazistas, e ele não teve notícias do que aconteceu com o resto da família. Sozinho, Krajcberg pegou um navio para o Brasil, nome de país que achou estranho a princípio, e nunca mais quis voltar à Europa.
Num lugar longe dos homens, no que seria um projeto cultural do arquiteto José Zanine Caldas, que desenhou sua casa na árvore, Krajcberg começou a fazer sua obra. Não chama o que faz de trabalho artístico, mas de "memória da destruição".
BELEZA SELVAGEM
Suas esculturas articulam restos de madeira queimada, o rastro ilegal da indústria madeireira, em composições que lembram desenhos orgânicos. São objetos estruturados em primeiro e segundo planos --na frente, o que seria um tronco ou galho e atrás a pegada, a sombra escura ou faiscante da planta.
Krajcberg encontra uma beleza estranha, de torções selvagens, na evidência do descaso. Figura com frequência em mostras que denunciam o aquecimento global, o estado desconjuntado do planeta e temas afins.
E, nisso, parece se importar pouco com o rótulo que dão ao trabalho ou com avaliações dos críticos. Krajcberg segue a agenda de encontros mundiais de ecologistas com mais afinco do que o roteiro de bienais e feiras de arte. Já falou até no Fórum Econômico Mundial, na Suíça, sobre desmatamento.
"Nem quero saber se é arte o que estou fazendo, quero só mostrar os pedaços, mostrar que as árvores foram queimadas", esbraveja. "Não me fala em artista, super-homem, não é o caso. A única coisa que quero defender até o fim da minha vida é a vida."
PÔR DO SOL
Mas Krajcberg começa a perder a esperança. Tem se refugiado cada vez mais no silêncio da mata. Vive isolado, não tem herdeiros e dispensa visitantes. Sai sozinho pela manhã para fotografar flores e plantas e vai dormir na hora do pôr do sol.
Desde que invadiram seu sítio --foram quatro ataques, nas contas dele--, homens armados e cachorros vigiam as terras num silêncio inquieto. Há dois anos não faz mais desenhos ou novas esculturas e interrompeu a construção do museu que estava criando no sítio vizinho.
Dos cinco prédios planejados, só dois saíram do papel. Estão atulhados de esculturas antigas. Do lado de fora, assistentes cuidam dos restos de madeira que chegam ao sítio. Ossadas de baleia, que o artista comprou de pescadores locais, também esperam um destino incerto, assando sob o sol baiano.
"Sou muito humilhado aqui, não vale a pena construir um museu num lugar que me machucou tanto", lamenta ele. "Não tenho mais o espírito para ficar aqui."
Também não vê para onde ir. Ainda trava uma briga com a cidade de Curitiba, que acusa de destruir as obras que doou para o agora desativado Espaço Frans Krajcberg, e desistiu de instalar outras de suas esculturas no Ibirapuera, em São Paulo.
Ele se retira agora, dias antes de completar 90 anos, para restaurar o que pode de velhas obras e juntar as raízes que sobraram da limpeza dos terrenos perto do sítio.
Talvez possam virar novas esculturas, agora que a paisagem ao redor recebe plantações de eucalipto para esverdear a terra estorricada.
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