segunda-feira, 20 de junho de 2011

Jill Abramson será a primeira mulher a dirigir o prestigioso "The New York Times

Jill Abramson será a primeira mulher a dirigir o prestigioso "The New York Times"

El País
Yolanda Monge
  • Aos 57 anos, Jill Abramson vai substituir o atual diretor Bill Keller, que voltará a escrever para a revista semanal do periódico
    Aos 57 anos, Jill Abramson vai substituir o atual diretor Bill Keller, que voltará a escrever para a revista semanal do periódico
Parece inevitável que quando uma mulher avança para além do que lhe estava reservado como ápice, os cumprimentos e bajulações que recebe costumem ser estereótipos masculinos. “Tem mais culhões do que os Yankees de Nova York”, disse sobre ela Al Hunt, hoje responsável pela redação da Bloomberg News em Washington e que contratou Jill Abramson quando era chefe do The Wall Street Journal na mesma cidade. Naquela época, 1999, outro comentário sobre Abramson publicado no Village Voice era mais grosseiro e elevava esses mesmos atributos masculinos à categoria de “colhões como melões de aço”.
Jill Abramson, de 57 anos, será a primeira mulher que dirigirá o prestigioso The New York Times, uma instituição dominada durante muito tempo pelo gênero masculino, substituindo o atual diretor, Bill Keller, que voltará a escrever para a revista semanal do periódico. O gênero: esta foi a qualidade mais destacada pelos meios de comunicação ao informar sobre a ascensão de Abramson na “velha dama” do jornalismo, o The New York Times, que completou 160 anos. E entretanto, a própria Abramson teve sentimentos já experimentados em outras ocasiões a respeito desse tema. “Quando deixaremos de dizer 'a primeira mulher que...'?”, perguntou-se a jornalista num artigo que publicou no Times em 2006 por conta de outro feito alcançado por uma colega de profissão. Na época, Katie Couric havia se transformado na primeira mulher a apresentar sozinha um noticiário nas grandes redes de televisão.
“Sei que não consegui este trabalho por ser mulher. Consegui porque sou a pessoa mais qualificada para desenvolvê-lo”, declarou Abramson nos dias seguintes ao anúncio de sua nomeação. Seja como for, muitas das mulheres da geração de Abramson que exercem ou exerciam o jornalismo se sentiram reivindicadas com a notícia. Essas mulheres viram a ascensão de Abramson como uma vitória quase pessoal. Segundo o último censo da American Society News Editors (ASNE), só existem 34% de mulheres em cargos de responsabilidade e liderança nos jornais. Não está tão longe para as contemporâneas de Abramson o fato de que a Sociedade de Jornalistas Profissionais não permitia a entrada de mulheres em sua fraternidade até 1969.
Na própria casa que Abramson dirigirá agora, houve em 1974 uma demanda contra a discriminação sexual feita pelas mulheres do Times, na qual denunciaram que nenhuma mulher aparecia nas matérias de opinião das 21 editorias que formavam o organograma do diário; e que além disso, o salário semanal médio de um repórter homem era 59 dólares mais alto do que de suas colegas mulheres. O jornal chegou a um acordo extrajudicial e compensou economicamente 550 mulheres de seu quadro.
Mas isso já é história. No dia de sua nomeação, no começo de junho, a própria Abramson reconheceu na redação do Times que os tempos mudaram. Ao recordar seus predecessores – como costumam fazer os diretores quando assumem um novo cargo e sempre citam homens -, a nova diretora reconheceu que ela se sustentava “em outros ombros”. “Falo das mulheres do Times que tiveram que lutar para que seus trabalhos fossem levados em consideração e de todas aquelas que conseguiram”, explicou. Abramson mencionou Janet Robinson, a ex-colunista Anna Quindlen, a atual colunista (e amiga íntima) Maureen Dowd, e as jornalistas – já falecidas – Robin Toner e Nam Robertson, esta última autora do livro “The Girls In The Balcony”, cujo título faz referência à barreira que as mulheres enfrentaram para exercer o jornalismo quando o acesso à profissão lhes era vedado, em tempos não tão distantes.
Com DNA – e um forte sotaque – novaiorquino forjado no Upper West Side de Manhattan, Abramson cresceu com uma bíblia diferente da que existia em muitos lares. “Na minha casa, para os meus pais, o que o Times dizia era a verdade absoluta. O Times substituía a religião”, explica. Licenciada em História e Literatura pela Universidade de Harvard, ela colaborou com a revista Time nas eleições presidenciais de 1976 e depois passou pela CBS Notícias, The American Lawyer e Legal Times antes de entrar em 1998 para a redação do The Wall Street Journal em Washington. Casada com seu companheiro de universidade Henry Griggs III, com quem tem dois filhos, Abramson conheceu a jornalista Maureen Dowd, do Times, num encontro literário em 1997. De lá surgiu uma amizade que levaria Dowd a passar muitas horas junto à cama do hospital onde Abramson ficou deitada depois de ser atropelada por um caminhão em 2007. Foi Dowd que perguntou a Abramson se ela sabia de uma repórter que o jornal deveria contratar e ela se ofereceu para a vaga. Assim passou a engrossar o quadro do diário na redação de Washington. Entre 1999 e 2000 escalou posições e chegou a ser a responsável da redação do Times na capital do país.
Os anos passados em Washington foram tumultuados politicamente. Os ataques de 11 de setembro e a invasão do Iraque convulsionaram a Casa Branca e os meios de comunicação. Pode-se dizer que Abramson viveu sob assédio, tanto do governo de George W. Bush quanto da controversa repórter do Times Judith Miller [que assegurou antes e durante a guerra do Iraque, em vários artigos, que havia armas de destruição de massa no país, entre outros assuntos]. Também vivia sob o assédio do então diretor do jornal para o qual trabalhava, Howell Raines, que não confiava totalmente em seu julgamento e a queria fora de Washington.
Abramson sobreviveu a todas as batalhas. Raines ficou menos de dois anos à frente do New York Times de Nova York e foi demitido depois do escândalo de plágio e histórias inventadas de Jayson Blair. O fiasco da guerra do Iraque também está nas bibliotecas, ao alcance de todo o mundo. No verão de 2003, aos 49 anos de idade, Abramson voltou para casa como um soldado que volta do campo de batalha, vitoriosa, mas com cicatrizes. Decidiu então tatuar o ombro direito para comemorar a volta à sua cidade. A tatuagem escolhida foi um “token”, a moeda utilizada para entrar no metrô de Nova York. “Tendo crescido aqui, amo o metrô, ele nos leva a todos os lugares”, explicou Abramson. Mas o verdadeiro motivo de sua escolha foi outro e diz respeito aos dizeres que estão inscritos nos tokens: 'Válido somente para uma viagem”. “Esta é minha filosofia”, explica a nova diretora do Times. “A frase é a combinação perfeita de uma grande filosofia e da cidade que amo e na qual nasci.”
Junto com Bill Keller, Abramson viveu como seu “número dois” os tempos difíceis que o jornal e o resto da imprensa mundial enfrentaram – e pode ser que ainda enfrentem, uma vez que a tormenta não se amainou por completo. A “velha dama” do jornalismo mantém sua robusta redação de 1.200 jornalistas, mas não ficou imune à crise econômica global e dos meios de comunicação. Para fazer frente aos novos tempos que já estão aqui, Abramson passou os últimos seis meses submersa na área digital do periódico. Como última curiosidade de sua biografia, a mulher chamada a dirigir uma nova era do Times enviou sua primeira mensagem no Twitter há apenas três dias. Isso não é nem bom nem ruim. É apenas um dado.
Tradução: Eloise De Vylder

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